Ricardo Maltz, ME., Mestre em Gestão Empresarial pela FGV-EBAPE RJ, Consultor e Membro de Conselhos de Administração e Fiscal de Empresas, professor na disciplina Jogos de Negócios do Pós em Administração de Empresas e na disciplina Estratégia de Empresas no MBA da Fundação Getúlio Vargas. Membro associado na ORCHESTRA SOLUÇOES DE GESTÃO.
Grupos que formam as organizações podem ser fator obstaculizante em processos sucessórios. Por que ?
Entender como se formam e funcionam, seus fundamentos e a dinâmica que assumem podem facilitar muito o processo de sucessão e mitigar as possibilidades de interrupção abrupta.
Assim que seres vivos se reúnem em certo número, sejam eles um rebanho de animais ou um conjunto de seres humanos, esses se colocam instintivamente sob a influência de um chefe. Um grupo não poderia viver sem ele.
A peculiaridade mais notável ao formar-se um grupo é a posse pelo grupo de uma espécie de mente coletiva, levando-o a um comportamento no agir, sentir, e pensar coletivo diferente daquele observado no agir, sentir e pensar individual. Um grupo ao formar-se se torna um ser provisório. Enquanto existe, o que é heterogêneo submerge no que é homogêneo. Inexiste interesse pessoal. Seus indivíduos formadores perdem a instância crítica e seus sentimentos, pensamentos e expectativas voltam-se na direção do líder eleito.
Um grupo é sempre muito crédulo, aberto à influência, seus sentimentos são sempre muito simples ou muito exagerados, uma suspeita imediatamente se transforma em certeza não controversa, uma antipatia em ódio furioso. Um grupo pode ser tão intolerante quanto obediente à autoridade.
Com respeito ao líder, a bondade que dele vem assume papel quase irrelevante, muito embora a tome como sinal de fraqueza. Demanda de seus líderes “heróis” força ou mesmo violência. Deseja ser dirigido, e temer diante do comando. Em seu âmago não buscam por verdade, mas por ilusões tendendo a não distinguir entre o que é falso ou verdadeiro e dando precedência ao que é irreal sobre o que é real.
Grupos são capazes de destruir qualquer realidade externa que seja entendida como ameaçadora para a sua ideologia.
Líderes habilidosos conseguem prover o grupo de uma ideologia aceitável, transmitem um sentimento de certeza e suavizam as tensões geradas internamente.
A relação que aqui se faz com sucedido, sucessor e grupos em organizações, é a ameaça representada pela figura do sucessor (vista aqui como a realidade externa) e a figura do líder sucedido ou em processo de sucessão visto e eleito pelo grupo como o único capaz de dar sustentabilidade e eternidade para a ideologia ilusória existente em seu interior.
A figura do líder é de vital importância na formação e continuidade do(s) grupo(s). Uma vez idealizado como alguém onipotente e onisciente será capaz de estimular e oferecer direcionamento aos afetos, excitação, raiva, sentimento de unidade, pertencimento e proteção,
um processo que deriva da projeção dos ideais individuais sobre o líder e de sua identificação com este.
A importância dos grupos nas organizações passou a ser tema de estudo e análise por pensadores e teóricos da administração na década de 80.
O funcionamento das organizações obedece a uma estreita relação de observação da natureza e estrutura desses grupos. O indivíduo tem na organização o objeto através do qual poderá dar vida às suas expectativas. Ela oferta ao indivíduo a estruturação que o individualismo lhe tira, realiza seu acolhimento emprestando-lhe identidade e valores morais definidos. É a única capaz de realizar e materializar as expectativas grupais
O vínculo com a empresa se dá através de um elemento: a figura do líder. Ele é meio para o processo de identificação e mediador entre o grupo e a organização abstrata que se encontra no imaginário coletivo do grupo. Líder e organização, seus valores e princípios se fundem e confundem.
As tensões que processos de sucessão podem ocasionar nos grupos que formam as organizações se manifesta pela incerteza quanto à capacidade do sucessor em fazer a todos se sentirem protegidos, amados igualmente e pertencentes a uma “família”, se terá a capacidade de agir, realizar desejos e necessidades coletivas, unificando o grupo e ser o objeto de depósito dos ideais que até então se encontravam na figura do sucedido e na organização.
Em uma organização, equipes ou grupos tentam o líder a regredir e ir ao encontro de sua demanda, como por exemplo, não dizer “não” quando assim a situação demanda.
A regressão do líder pode levá-lo a deixar de explicitar ao grupo quais as delimitações que se colocam entre o sistema e o ambiente, podendo o líder assumir um papel inapropriado, causando efeitos negativos e indesejados para a organização e cujas consequência somente são observadas no produto final (perda de eficiência, descontrole de processos, queda de qualidade, perda de mercado, caixa em colapso, perda de desempenho econômico).
Na empresa o líder fundador é o chefe. Somente será sucedido se der “voz” ao sucessor. Há que assumir para si e publicamente que chegou ao fim do ciclo ou de um ciclo. Quanto ao grupo, somente após realizar o luto pela perda daquele que foi sucedido se voltará e se colocará instintivamente sob a influência de um novo “chefe”, razão pela qual estes processos requerem acompanhamento constante durante o período de consolidação.
O sucessor, se familiar ou profissional, poderá ser ou não eleito o “chefe”. Dependerá, de quanto suas qualidades pessoais se ajustarem ao grupo e se conseguirá ser idealizado por ele. Deverá estar atento às forças regressivas que lhe serão impostas por aspectos da administração e do grupo. Alguns desses aspectos são a solidão do cargo assumido, e incerteza intrínseca que reside nas tomadas de decisão, por exemplo.
A compreensão dos processos grupais poderá facilitar o sucessor, na medida em que percebe que será o objeto de depósito de situações idealizadas, que sofrerá a ação de tração regressiva induzida pelo grupo e em contrapartida a esta idealização e submissão será alvo de projeção por parte do grupo de impulsos agressivos como o desapontamento, raiva e ódio revoltoso.
A ascensão do sucessor (novo líder) pode também ser contextualizada levando-se em conta seus atributos hereditários, compreendidos como um prestígio artificial, ou seus atributos verdadeiramente pessoais, neste caso, legitimando-se por meio próprio sugerindo ao grupo que o siga como um funcionamento de uma magia magnética. No entanto, todo o prestígio depende de sucesso, levando a sua perda em caso de fracasso.
Se o sucessor tem a condição de filho conseguirá suceder na medida em que também simbolicamente vencer o tabu de “matar” o pai amado e respeitado “sentando-se à sua cadeira” e realizando o “luto”.
Provavelmente deparamo-nos com uma lógica universal no acima exposto. O conflito dos paradigmas da empresa e da família, somado às exigências da racionalidade instrumental demandada pelo mercado, traz ao processo sucessório em empresas familiares, uma complexidade muitas vezes insuperável, traduzida pelas estatísticas ruins. Poderá ser mitigado ou até mesmo superado, na medida em que os obstáculos sejam adequadamente “lidos” e compreendidos em suas variáveis e as peculiaridades de cada processo observadas apropriadamente.